Muitas vezes, Angelinna Havilliard pegava-se cansada ou mesmo, mentalmente esgotada desde que assumiu o posto de rainha de Neritheas, por conta do suicídio de seu pai, um ano após sua própria mãe também falecer. Era engraçado, o povo de seu reino considerava a monarquia instável depois desses incidentes e isso dava mais trabalho para a atual rainha. Quando a carta com o pedido de resgate apareceu para si, em primeira leitura achou que aquilo seria complicado, não teria como ser feito sem que houvesse muitas perdas. Middard Lohad, sua general, confirmou o que pensava, perdas seriam causadas, maa quando ela mencionou que iria para a missão de resgate, sentiu seu coração parar e seu corpo congelar e travar. "Não, não, não... Diz que isso é mentira e que é brincadeira." Era o que pensava, o que queria dizer, mas não disse nada.

Desde que a mulher foi deixada responsável por sua segurança e proteção, de primeiro momento, a rainha odiou, não gostava do fato de ter uma pessoa de tão alto título e com certeza ocupada, com uma tarefa tão simples e qualquer um poderia fazer. Sentia-se um peso e um incômodo para a general, e de primeiro momento fez o que pôde para tentar espantar; seus pais ficariam envergonhados, sem dúvida. E até mesmo falou com seu Conselho para remediar aquela situação e ter seu comando negado, a irritou. Mas já que estava presa naquela situação, tiraria proveito, ao menos, como pudesse. Uma convivência acabou sendo gerada, por um pedido para se conhecerem  já que teriam que passar dias e dias juntas, o que pouparia dor de cabeça para ambas as nobres. E com a convivência, Angelinna nunca iria admitir para ninguém, mas o interesse e a curiosidade cresciam junto à atração. Algo em Middard a fascinava.

Nos dias seguintes, a rainha viu uma crescente movimentação das tropas, preparando-se para a tarefa árdua que viria e sem esconder o nervosismo, ela as recusava a sair do lado da general, a não ser quando fosse dormir, ou outras necessidades específicas. Queria que ela mudasse de ideia, que não fosse até o conflito, mas quando chegou o dia das tropas irem, a Havilliard apenas observou das muralhas do castelo, os soldados partirem. Ninguém poderia confirmar os rumores, mas dizem que foi a primeira vez que a rainha de Neritheas chorou em público, desde a morte de seus pais e seus funerais. E aquilo, fazia com que Angelinna se sentisse tensa, odiava a sensação de que estava sozinha, cercada de homens em quem não confiava e a única pessoa que tinha uma certa confiança estava nos campos de batalha.

Desde a partida da general, Angelinna se encontrava mais preocupada e nervosa que o normal e sempre que podia, perguntava notícias do processo de extração, ou mesmo de Middard, chegando a mandar que quaisquer notícias referentes à general deveria ser reportado para si, antes de qualquer outra pessoa. Se algo grave acontecesse, ela queria ter seu tempo ou para luto, ou para enviar o que precisasse para lhe ajudar. Recusava-se a deixar a outra morrer, era um tanto egoísta de sua parte, mas era a primeira vez em anos, que era egoísta, que fazia algo por si, por querer algo. Se doava à Neritheas desde muito cedo, com sua enfermaria, suas visitas à plebeus e comerciantes, então se permitia dessa vez, fazer o que queria, sem se preocupar muito com as repercussões que aquilo poderia causar. Afinal, o que poderia dar errado, certo?

Exatamente, tudo. Quando foi informada que o processo de extração e resgate foi bem sucedido, a rainha sentiu alívio, isso significava que Middard estaria de volta logo, que ela devia estar perto. Seu alívio durou pouco, no entanto. Uma comoção era ouvida do lado externo, os criados pareciam agitados com alguma coisa e a rainha dispensou os conselheiros, chamando seu guarda para lhe seguir e pudesse averiguar o ocorrido. Seguiu o barulho até as escadas do castelo, onde viu que um cavalo branco se aproximava de maneira veloz. A Havilliard olhou para o cavalo, buscando características distintas, quando acabou reconhecendo o cavalo da general. Ela o tinha visto, durante as preparações para a batalha, acompanhada da sua dona. Era esperado que a Lohad estivesse com alguns ferimentos leves e superficiais, então chamou um dos médicos do castelo, pedindo para lhe separar alguns utensílios e algumas agulhas esterilizadas. Iria cuidar da general ela mesma.

Quando o cavalo parou, a rainha observou a general montada nele, um tanto preocupada. Sentia que algo não estava certo, o corpo da general não tinha a mesma postura de quando ela tinha partido, parecia como se ela tivesse sido colocada no cavalo e deixada para seguir seu rumo. Aproximando-se do cavalo, fazendo um carinho no animal agitado para ele se acalmar, Angelinna pôde observar melhor. Um vermelho púrpura fazia-se presente na pelagem clara do animal, com um grito assustado, assim que olhou Middard, percebendo que ela estava inconsciente e sangrando.

— Tirem-na do cavalo e levem ela para a enfermaria, eu quero os ferimentos dela ao menos lavados assim que eu voltar, eu mesma cuidarei da general Lohad. Daemon, cuide do cavalo dela, mandem limpar e alimentar o cavalo. — A rainha ordenou. — E vocês que vão cuidar de Middard em minha ausência. Que os Deuses lhes ajudem se ela piorar. — Avisou, sem hesitar, seguindo para seus aposentos.