Durante toda sua vida mundana, o maior triunfo de Hayato Yamazaki fora herdar a funerária da família. Filho de japoneses, o homem de personalidade amável e solidária nunca fora ambicioso; ético e moral, tinha como pilar o respeito ao próximo e auxílio aos indivíduos mais necessitados. Porventura, seu segundo triunfo fora ter a atenção de uma certa deidade.

Hayato e Macária conheceram-se em um momento delicado da vida do mortal. Antes de assumir os negócios da família, os pais de Hayato faleceram em um acidente de carro. Filho único e sem parentes próximos, o homem caíra rapidamente em depressão. Naquela época, recusou - em um primeiro momento - a continuar com o legado moribundo dos Yamazaki, contudo, fora através de Macária que ele retomou sua força e assumiu o que lhe era de direito.

Ambos tiveram um breve, porém intenso, romance. Como de praxe, Macária assumira uma aparência diferente da habitual; transmutando-se para uma típica garota japonesa, ela apresentou-se ao humano sob a alcunha de Takagi. Hayato considerava-se alguém de sorte após o aparecimento da amada, afinal, ela trouxera calmaria em meio à habitual tristeza que se abateu sobre si após a morte de seus pais. Junto à Takagi, esperava viver uma vida tranquila, unindo-se à jovem para formar o início de uma família. Após cinco meses de envolvimento, ele estava pronto para o próximo passo.

Dela, entretanto, não recebera um aceite de casamento; ao invés disso, ela lhe deu algo mais importante. Em um atípico dia de outono, em frente à entrada da funerária Yamazaki, embolado em mantas escuras, um bebê dormia pacificamente, protegido do frio da manhã em uma bonita cesta. Mais tarde, naquele dia, o homem tivera a surpresa em saber que o bebê abandonado era, na verdade, uma menina.

Dentro da cesta, havia um bilhete, endereçado a si; dentro dele, escrito em uma letra elegante, estava o seguinte recado. "Esta é Mayuri, sua filha e fruto do nosso amor. Infelizmente, não pude lhe contar a verdade sobre mim, pois meu intuito sempre foi protegê-lo. Meu verdadeiro não é Takagi, mas sim, Macária. Sinto muito, mas não poderei ficar junto à você, meu amor. Contudo, saiba que sempre lhe amarei."

E então, Hayato tornou a cair em desgraça e melancolia.


As más línguas diziam que ele havia pagado o preço por ter uma herança maldita. A maldição teve seu estopim com a morte de seus pais, desenvolveu-se quando ele conhecera Takagi - que, na verdade, era uma deusa de nome Macária - e teve seu ápice com a paternidade à uma bebê que surgira em sua porta. Mayuri era vista como uma pequenina demônia, que buscava por caos onde quer que estivesse. Ao contrário dele, ela parecia não temer as consequências negativas que seus atos travessos traziam.

Assim, todos no círculo de convivência dos Yamazaki culpavam Hayato pela criação de uma garota tão intragável, afinal, ele mal conseguia cuidar de si; quiçá, cuidar de outro alguém. Ainda assim, ele dava a ela todo o seu amor. O gesto, contudo, parecia não ser suficiente para abrandar a personalidade forte da menina. Outros diziam que ela se portava daquela forma pois vivia em meio aos caixões que seu pai mantinha na funerária. Comentavam que, não era de bom tom criar uma criança em meio à morte, uma vez que Mayu fazia do local de descanso dos moribundos seu lugar particular para brincadeiras infantis.

À medida que crescia, seu espírito traiçoeiro se fortificava. Aos três anos, fora colocada no ensino fundamental, para que ao menos tivesse competência para saber ler e escrever. Seu contato com as demais crianças, contudo, fora algo desastroso. Embora, em um primeiro instante, ela fosse uma criança relativamente serena e de aura amigável, sua verdadeira personalidade vinha à tona posteriormente. Após Hayato receber inúmeras reclamações sobre a filha, também descobrira que a criança possuía uma enorme dificuldade para ler e se concentrar. Como se não bastasse, a pequena ainda nutria certo apreço para não seguir ordens.

Aos cinco anos, parte das motivações por detrás dos problemas que envolviam Mayu foram solucionados. Descobriu-se que ela era portadora de dislexia e TDAH. Nesse ínterim, o homem a retirou da escola depois de compreender que sua cria nunca iria conseguir se adaptar a tal ambiente. Desse modo, ele próprio passou a ensiná-la, entre os horários livres de seu expediente na funerária. Aos nove anos, algo incomum ocorrera: Mayu passou a ver monstros. Embora as criaturas, em um primeiro instante, não a atacassem, tal constatação acabou por piorar sua convivência social. Dois anos depois, ainda vivendo com o progenitor, ela fora reconhecida por sua mãe.